sábado, 18 de fevereiro de 2012

Capítulo Primeiro - O Quarto

          O relógio marcava 7h55 da manhã. Havia muita coisa ainda para ser feita naquele dia. Todas sem prazeres. A primeira delas era acordar livre da ressaca de quinta-feira. Não era uma pessoa alcoólatra, apenas, apenas alguém que gostava de beber bebida barata por nunca ter bebido bebida mais caras, salvas algumas exceções, algumas ocasiões comemorativas excepcionalmente excepcionais.
          Acordou, enfim, da ressaca. Olhou-se no espelho, reparou os sulcos deixados pelo travesseiro e pela noite mal dormida, sentiu a dor de cabeça, o enjoo, a preguiça, e começou a arrumar as coisas para ir trabalhar. Não sabia o porquê, mas aquela se tratava de uma manhã tão diferente das outras em muitos aspectos. A manhã de ressaca de uma vida inteira.
          Caminhou até o chuveiro, deixou que a água quente fosse caindo, desperdiçando. Deixou o vapor quente aquecer o ambiente gelado. Depois de criar coragem, entrou. Lavou-se. O corpo inteiro ia se curando da ressaca doída.
          Seu quarto era de uma mobília nem vagabunda, nem nobre. Era um quarto popular, mas de decoração pitoresca. Era mesmo pequenino esse quarto. Mas nele cabiam quantas pessoas a imaginação de Luciano pudesse colocar. Não somente a sua imaginação, mas suas atitudes estranhamente físicas também.
          Sua cama, colada à parede ficava ainda mais fria no inverno paulistano. Estas casas de São Paulo, que no calor fazem com que um doido seja ainda mais enlouquecido, prega a um monge acostumado aos mosteiros mais gelados uma verdadeira peça! Como se passa frio nesses quartos paulistanos nos meses de junho e julho! Luciano enfim abria de fato seus olhos insistentemente cerrados. O café da manhã do ingênuo rapaz foi um pão de forma com presunto e mussarela. Junto do pão, tomou água aquecida no microondas com café solúvel. Que delícia. Depois de tomado o seu café da manhã, resolveu que iria se olhar mais uma vez no espelho. Talvez para admirar uma espinha nova, ou para verificar como andava o crescimento de seu cabelo. Como todos os outros dias, a única coisa que seu espelho de bruxa má lhe dizia era que seu dono já estava cinco minutos atrasado para pegar seu ônibus. Mas danem-se esses oráculos espelhares! Os ônibus em São Paulo nunca têm horários. Quando estão na hora certa passam adiantados e de qualquer forma, perder o ônibus ainda é a melhor desculpa para poder chegar, pelo menos, uma hora mais tarde no trabalho. Como São Paulo proporciona boas desculpas!
          A casa casinha casebre de Luciano era um apartamento localizado na parte under so up da região do Butantã. Era um apartamento. E não era um apartamento, era um alojamento. Era mais do que um alojamento, era o que seu dinheiro não podia pagar. Era uma moradia estudantil. Ali se encontrava a cama de Luciano, colada à parede, uma escrivaninha quadrada acoplada a uma estante cheia de papéis e folhetos de propagandas que diariamente são distribuídos pelas ruas, livros, dicionários, uma bíblia, lápis aquarelável, e muita coisa. Na área comum do apartamento, em cima da geladeira, o eletrodoméstico mais usado: o micro-ondas. Luciano tomava muito café.          
         Voltando para o quarto. À cabeceira da cama ficava seu guarda-roupas de duas portas e apenas. Luciano, estudante, com escrivaninha. Que pouco tempo que dedicava a ela. Lia seus textos e fazia suas anotações dentro do ônibus. E nesse momento acabava de se lembrar porque não se importava em pegar um ônibus adiantado demais: em São Paulo você tem que sair antes do trânsito. às 6h da manhã. às 6h15 já está tarde demais. E claro que, como tudo é relativo, essa afirmação varia de acordo com os locais onde você more e trabalhe.
           O relógio marcava 8h da manhã.
          Era cedo. Ainda se olhando no espelho fez pela enésima o juramento de que não beberia mais como bebera naquela quinta-feira. Pensou que se fosse ele uma moça, poderia disfarçar a cara má com maquiagem. Mas se chegasse ao trabalho com a tal maquiagem seria, com certeza, muito pior. Não se maquiou. Apenas sorriu amargamente por vagos e longos 3 segundos.






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